quarta-feira, 10 de julho de 2013

Memórias


          O dia nove de julho me faz lembrar meu avô paterno, Silvio Penteado, e os capítulos da História que contava para nós.
      Ele gostava de narrar os anos que os netos não viveram, mas que desfilavam diante dos olhos da nossa imaginação: a Segunda Guerra Mundial, a Era Vargas, a Revolução Constitucionalista, sendo esse último o seu trecho preferido.
      Orgulhava-se do fato de ter vivido aquele tempo, sobretudo porque sua Piracicaba havia sido representada no conflito entre os jovens paulistas revolucionários e as tropas do governo getulista, na capital do Estado. Piracicaba não só foi representada na Praça da República, como também na sigla MMDC, correspondente à inicial do sobrenome dos quatro jovens revolucionários mortos no conflito.
      Tanto tempo se passou desde aquelas conversas com meu avô - falecido há treze anos – que já nem me recordo qual daqueles quatro jovens era natural de Piracicaba, e responsável por despertar o entusiasmo nos olhos castanhos daquele senhor.
       A maior parte do que conheci sobre o episódio foi por meio da visão dele, de modo que não saberia julgar esse acontecimento, ocorrido em 1932. Mas seja lá quem estivesse com a razão, se São Paulo ou o resto do país - a essa altura nem vem ao caso -, nenhuma linha que li a esse respeito se compara ao que escutei na voz do meu avô, uma testemunha ocular dos fatos, se posso assim dizer.
     Pudéramos, hoje, levar adiante esse exemplo e não deixar morrer a nossa história. A realidade que nossos filhos e netos conhecerão, ou deixarão de conhecer, dependerá de ser contada por nós e não somente pelos livros didáticos. Sem dúvida, os grandes autores deixam sua marca e influência, contudo, somos nós, os anônimos do dia a dia, que transmitimos um legado. Resta-nos a incumbência de escrevê-lo.







terça-feira, 9 de julho de 2013

E ele pensa ser rei

            No café da manhã, entre um gole e outro de leite com chocolate, ele me fez a mais deliciosa declaração de autoconhecimento que já ouvi de um garoto de seis anos:
   - Mamãe, eu sou o rei da pipoca, do pão de mel e da batatinha Ruffles.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Pedra, papel, tesoura


          Faz tempo que estou pra colocar no papel um acontecimento que me marcou profundamente, mas não encontro começo para o enredo. Contudo, de hoje não passa, portanto, aí vai...
     Há alguns anos atrás, o Gustavo ainda fazia acompanhamento com a terapeuta ocupacional, quando, numa das sessões, ela me garantiu que o menino teria muita dificuldade para usar a tesoura. “Falta desenvolver a coordenação motora grossa, o que dirá a fina...”, foi o que escutei naquela manhã.
    A declaração da profissional foi suficiente para me entristecer nos dias posteriores, haja vista, o menino já completaria quatro anos. Pensei comigo, qual alarde haveria em segurar e manipular a dita cuja da tesoura. Mas, enfim... Foi o que ela disse.
   Fiquei por um bom tempo ruminando a informação, quase já aceitando a “profecia”. No entanto, o passar dos meses revelou que nem todas as previsões necessariamente acontecem na vida da gente conforme dita a teoria. As pessoas, inclusive as bem intencionadas, nos afirmam certas verdades que, ora se aplicam, ora não se aplicam à nossa realidade. Bem ou mal, aquilo ficou gravado na minha memória em letras garrafais.
     Nesse ínterim, o Gustavo cresceu mais um pouco, chegando aos dias de hoje, - mais precisamente a 2013- ano em que ganhou uma irmã. Também eu cheguei aonde gostaria de chegar nesse relato:
    Dia desses, enquanto trocava a fralda da Lydia, percebi a etiqueta da roupinha de bebê precisando ser cortada. Solicitei a ajuda do menino. Pedi que pegasse uma tesoura. Dali a pouco ele entra no quarto, abrindo e fechando as lâminas da tesoura que trazia na mão:
     -O que você vai fazer com essa tesoura, mamãe? Cuidado, hein?
   Achei graça da preocupação do menino. É claro que tomaria cuidado. Eu sou a mãe, poxa! Por outro lado, foi impossível não me emocionar ao vê-lo entrar no quarto segurando aquela tesoura com tanta naturalidade, como se anteriormente não houvesse acontecido a manhã daquela declaração fatídica para meus anseios de mãe.
   Foi então que a ficha caiu, digamos assim. É fato que as dificuldades de coordenação ainda existem...Contudo, atinei que, aos cinco anos, o Gustavo cortava e recortava sozinho, sem nossa ajuda, prova de que nem tudo que a gente pensa ser absoluto, realmente será.
    Por essa e por outras é que insisto comigo mesma de que não vale à pena sofrer com fatos preditos, em geral, enquanto não passam de meras palavras. Vivamos um dia por vez, sem preconizar ansiedades, afinal, para cada dia basta o seu próprio mal.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Uruguaiana, 399

            Geralmente, quando estou muito cansada e me sento por alguns minutos em frente a uma janela iluminada, fecho os olhos, e imagino morar em uma rua de casas construídas com tijolos à vista, rodeadas por jardins coloridos. Para cada casa há uma janela generosa, emoldurada com esquadrias de madeira, e uma varanda nos mesmos tons de marrom, completando o bucolismo da cena.
      Ora, vejam... Essa rua não é a rua da minha casa, o que não quer dizer que a rua da minha casa seja melhor ou pior do que aquela. A rua onde moro, por dezenas de razões, é muito peculiar, a começar pelo nome que é nome de uma cidade - Uruguaiana- onde, por sinal, nunca estive.
      E que interessante uma rua com complexo de cidade (e será que não o é?)
      Aqui - e talvez somente aqui - existe uma árvore sonora, não por acaso localizada em frente à padaria. Por volta das cinco horas da tarde, os pássaros das ruas adjacentes se recolhem todos para lá e ficam a trocar experiências acumuladas do dia que se finda. Imagino como a vida de um pássaro da cidade deva ser agitada, a julgar pela algazarra do “happy hour” da passarada. Se alguém um dia lhe perguntar sobre um point quente na Uruguaiana, aponte para aquela árvore e responda: ”É logo ali!”
     Sim... Já sei que sentirei saudade daqueles pássaros. E do alvoroço que eles fazem ao final das tardes.
     Outra característica dessa rua são as guias das calçadas, todas tão altas que, por várias vezes, já tive medo de torcer o pé. Pior, medo de derrubar o bebê de dentro do carrinho. É possível que algum forasteiro, ao caminhar por esses passeios altivos, suponha não haver deficientes físicos residentes na Rua Uruguaiana, o que seria ledo engano de se pensar, já que residem e resistem bravamente.
      E para completar, poderia citar tantas outras curiosidades típicas desse logradouro, mas decidi focar o fechamento desse texto num edifício especial, que por pouco não escapa da Rua Uruguaiana para a Rua Barão de Jaguara: o colégio que ocupa a esquina em frente ao prédio de número 399.
      Seis anos vividos no mesmo endereço, e apenas seis meses dentro desse colégio. Sentirei saudades, embora não tenha sido eu a aluna daquela professora dedicada, e nem tenha sido eu a cruzar esbaforida por aqueles pátios, ou a compartilhar do momento de lanche com os colegas da classe. Mas, creiam, é como se tivesse sido. Cheguei a essa altura da vida para perceber que a infância da gente acontece uma vez apenas, para que tenhamos gosto em acompanhar a infância dos filhos que Deus nos dá; sejam os filhos de sangue, sejam os filhos de coração.
      E já que toda despedida tende a ser triste, melhor não colocar ponto final nesse texto e chamá-lo apenas de capítulo.Por conseguinte, esse será o primeiro.
                

terça-feira, 11 de junho de 2013

Do Elo Perdido


       Sim, o segundo filho incrementa a rotina da gente. Por certo, o mesmo acontece com o terceiro, quarto, quinto...
  Mas as pérolas dos filhos mais velhos não passam em brancas nuvens. Por isso que dou um jeitinho de transcrever algumas mazelas do meu cotidiano.
   Hoje, pela manhã, aconteceu mais ou menos assim:
   - Gu, gosto tanto do seu nome! Cada dia mais me convenço de que escolhi o nome certo pra você.
    -Mas por que você não escolheu o nome Alberto? Eu gostaria de me chamar Alberto...
    - Ué, por que Alberto?
   -Porque é nome de dinossauro. Então, por que você não colocou Albertossauro em mim?
    -E isso lá é nome de gente?
     E o menino conclui:
    -Não. As meninas iam ter medo de mim.
    O motivo para que eu não tenha colocado “Albertossauro” não foi esse, com certeza. Aliás, nem sabia que existiu dinossauro com esse nome...(e ele está certo: Albertossauro é uma homenagem ao cientista que descreveu a espécie do dino).
   Se bem que, depois desse argumento totalmente convincente, passei a concordar com ele.
           
                       

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Papéis

          Acabou. Foi o que pensei ao me despedir de uma pilha volumosa de artigos científicos.Tratava-se de centenas de artigos impressos, muitos dos quais encadernados, que acumulei durante sete anos vividos entre doutorado e pós-doutorado.
     Abarrotei o cesto de reciclados, que ficou cheio até as bicas de tanta Ciência. A primeira sensação que me visitou foi a de alívio, depois, a de saudade. E, por fim, a satisfação por vencer a inércia daquele arquivo morto.
    Mas, convenhamos que não acabou... Os artigos estavam tão estagnados quanto inúteis, ocupando um canto remoto do armário, onde eram somente lembrança. Agora se tornaram material com utilidade para alguém que não conheço. Provavelmente, vão ocupar alguma carriola que circula anônima pela cidade, e quem sabe ainda hão de se tornar moeda de troca e garantir o pão na mesa desse alguém. Só por isso, valeu me desfazer de cada parágrafo grifado com marca-texto amarela.
     Pois, afinal, na vida, não se deve temer o recomeço. E o que é reciclar, se não um recomeçar, sem ter de abrir mão das nossas experiências idas, que um dia se tornam vindas e, por isso, bem vindas.
    Aquelas centenas de artigos reciclados simbolizam o meu anseio por transformar esse passado em recurso que sacie a fome de outrem.
    Ah, eu sei...Nada tem sido por acaso.
         
  


quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

As primeiras linhas de Júlia e Ana



Encontrei entre meus arquivos (quase) mortos, o começo do que deveria ter se tornado uma crônica, cujo tema vem bem a calhar com o momento atual em que vivo.
Quando as meninas fictícias Júlia e Ana ganharam essas linhas, eu ainda estava sob efeito da minha primeira gestação, embora as informações do arquivo dêem conta de que tenha sido uns três anos depois do nascimento do Gustavo.
Agora que me encontro novamente no “estado de graça”, (como dizem por aí), divirto-me comigo mesma porque talvez a mãe de Júlia e Ana possa me representar em alguns aspectos, em especial à sensação do corpo roliço e do andar que teima em estar paquidérmico.
Se me propusesse a reescrever essas linhas, hoje, acrescentaria a simbiose entre a mãe e sua barriga, principalmente nos momentos em que se permite contemplar a superfície convexa que delineia o planeta da criança.
Quem sabe um dia, Júlia e Ana ganhem mais do que algumas linhas. Por enquanto, porém, que se contentem com o fragmento de uma história. Provavelmente será Lydia que ganhará crônicas completas. Assim espero.

“Júlia nasceu numa tarde quente, sem sol, em meados de novembro. Nasceu acompanhada da irmã, Ana, com quem dividira o espaço uterino e os nutrientes maternos durante sete meses e mais alguns dias de claustro.
Naqueles dias, a mãe já não se aguentava com o peso da barriga que mais lhe parecia um tonel transbordando até as bicas, pronto a explodir a qualquer minuto. Há dias a mulher se encurvava, tentando manter o equilíbrio do corpo roliço, desejando a todo custo que aquele suplício chegasse a termo.
Ria-se do ritmo paquidérmico que seus pés inchados adquiriram, em contrapartida, amava mais do que tudo aqueles bebês que se modelavam em suas entranhas. Era como se já conhecesse os traços miúdos das doces criaturas, vislumbrados em sonhos nas sonecas da tarde, das quais despertava apavorada, com a sensação do parto lhe batendo à porta.
Mas tudo não passava de turbulentas alucinações vespertinas. Logo voltava para a realidade da dor aguda no ventre; acariciava a pele esticada que contornava o abdome globoso e continuava a sonhar...” (Priscila Mendes, 2011).



sábado, 5 de janeiro de 2013

Sorrisos


             
              Parecia uma típica cena de comercial de televisão. O supermercado lotado, e nós na fila do caixa aguardando a vez de passar as compras. Atrás de nós, um homem encostou seu carrinho de compras, parcialmente cheio de produtos que as mães costumam apelidar de “porcarias”.
            Estávamos ambos, meu marido e eu, por conta do nosso carrinho de compras, enquanto nosso filho estava por conta dele mesmo, ao nosso lado.
            Quando dei por mim, o menino se projetava na lateral do carrinho alheio para analisar detalhes da compra que o homem estava prestes a concluir. Fiquei um tanto quanto encabulada, especialmente quando notei que o dono das compras também observava a indiscrição deliciosa do menino que, em certo momento, esteve prestes a subir no carrinho para observar detalhadamente a mercadoria escondida por debaixo da primeira camada de produtos que já havia explorado.
            Chamei o garoto para junto de mim. A princípio foi um chamado contido que, não tendo sido atendido prontamente (em geral as mães são desesperadas), transformou-se num chamado urgente, e logo mais em um pedido de clemência: Gustavo venha aqui!
            Só então o menino percebeu estar sendo observado longamente pelo homem, e achegou-se para junto de nós. Verdade seja dita: nem acredito que o tenha feito por vergonha. O menino não é disso; ele é até cara de pau, para ser honesta.
            Resumindo a história, de tudo que chamou a sua atenção naquele carrinho, interessou-lhe mesmo as “batatas sorriso”, que ele descreveu como sendo as “batatas com carinha feliz” que o homem estava levando para casa.
            Participando a tudo, o dono do carrinho não disfarçou certa dose de satisfação pelo plágio inocente do garoto, cometendo, por fim, plágio maior, só que em relação às batatas, abrindo largamente um sorriso amarelo.