quinta-feira, 15 de março de 2012

Um par de sapatos.





            No ano de 1995, eu era uma vestibulanda de dezessete anos, que mal concluíra o colegial, mas já rascunhava alguns projetos de vida. Falaram-me por aquele período que deveria escolher uma carreira para toda a vida, que precocemente avaliei como sendo a Medicina.
            Preparei-me para a prova, não menos nem mais do que meus concorrentes. Estudei e orei incansavelmente pelo dia “D”, que afinal chegaria junto com o mês de novembro.
            Lembro-me vagamente de que naquele domingo da primeira fase do Vestibular da Unicamp, fazia uma tarde quente e amarela, e ainda nem era verão. Adentrei ao recinto da prova munida de muita expectativa, uma ou duas barrinhas de cereais, um copo de água mineral, algumas balas e uma quantidade razoável de esperança. Nada mal para a maratona que correria ali.
            Optei por começar a prova pela parte que sempre me fora mais familiar: a redação. Com bastante atenção, li e reli os temas propostos para a carta, dissertação, e narração (assim como ainda o é hoje). Decidi pelo tema proposto para a narração. Que perigo! Num misto de inexperiência e empolgação, coloquei-me em duelo com o tempo, principal vilão das provas e concursos públicos.
            Refém de dispensável perfeccionismo, resolvi fazer o rascunho a lápis na própria folha da prova, ainda que as orientações da banca fossem muito claras, de que textos redigidos a lápis não seriam corrigidos. “Tudo certo” pensei, “passo a caneta azul após resolver as questões”. Ledo engano, ingênuo pensamento. Fui traída pelo meu excesso de cuidado, pois, quando me arrancaram a prova nos acréscimos do segundo tempo (definitivamente, não há prorrogações em vestibulares), a redação ainda estava a lápis.
            Ah, sim, aquele foi um dos momentos mais pontiagudos da minha vida. Machucou-me entregar aquela redação ainda crua, sem a tinta da esferográfica encapando as letras. Acabara de perder a chance de concorrer a uma vaga na universidade dos meus sonhos. Porquanto, agora, não havia nada mais a fazer, caso encerrado. Quem saiu da sala, foi uma garota cabisbaixa, a um passo da desesperança. Ainda não acreditava que aquilo estava acontecendo realmente, e que não se tratasse de um dos meus pesadelos costumeiros de vestibular.
            Adiantei-me em espalhar a notícia em casa: “Unicamp já era para mim esse ano”. Só quem já passou por uma situação em que colocou tudo a perder por nada, sabe o quanto é difícil ter que se explicar , e, o quanto pior é ter que contá-la e revivê-la por vezes e vezes! Melhor seria reunir toda a população mundial dentro de uma sala e explicar o acontecido de uma única vez, dando por encerrado o assunto.
            O primeiro a escutar minhas lamúrias, foi o próprio Deus. Inconformada, contei-Lhe por horas a fio sobre o que se sucedera na prova (embora Ele soubesse de tudo, pensei que O agradasse ouvir minha versão). Chorei aos pés do meu bom Mestre, para quem escrevera dezenas de cartas, durante aquele ano, nas quais incluía minhas ansiedades e expectativas com respeito a essas provas. Porquanto, lá estava eu, com uma redação que nem ao menos seria validada para correção.
            Antes que acabasse o domingo fui à igreja. Lembro-me de estar orando quando recebi um consolo sem igual do Pai de amor. Voltei para casa consolada, apenas isso, mas, com tudo isso! Colocara minha vida mais uma vez nas mãos do meu Senhor. Ele me dissera que Seus presentes são completos. Afinal, você daria apenas um pé de sapato para alguém (que não a Cinderela, claro)? Por certo que não. Quanto menos o daria Deus, que completa em nossa vida toda a boa obra.  

            Dia seguinte, cogitei não aparecer no colégio. Um costume bobo da gente é conferir respostas depois que se termina uma prova, por isso, nunca gostei de gabaritos. Sabia que o gabarito da prova correria solto na sala; mais ainda, que os colegas compartilhariam suas opiniões e impressões sobre as questões e os temas de redação, o que implicaria ter que contar-lhes sobre a gafe do dia anterior.
            Não foi esse o caso. Ao invés disso, falava-se sobre uma suposta anulação da prova da Unicamp, devido a denúncias de vazamento de um dos temas da prova de redação, para determinado cursinho da cidade. Mal pude acreditar! Dias depois, a polêmica ganhou corpo e ficou nacionalmente comprovado o escândalo, aos moldes atuais do ENEM.
            Dois meses depois, assim como outros milhares de vestibulando do ano de 1995, fui convocada a refazer a prova da primeira fase do vestibular da Unicamp. Jamais imaginei que receberia uma nova chance no mesmo ano! Porém, desta vez, acumulara uma pequena experiência e já sabia como e por onde começar. Também soube finalizar a redação, uma dissertação caprichosamente escrita com tinta azul.
            Nunca mais me esquecerei dessa experiência! Engraçado que fiquei por algum tempo com receio de compartilhá-la com as pessoas, uma vez que, certa de ter sido ouvida por Deus, considerava ter parte de “culpa” neste acontecimento ímpar. Afinal, jamais a Unicamp cancelara uma prova com tamanha repercussão!
             Tive a minha segunda chance do ano, embora, não tenha entrado na universidade dos meus sonhos naquele ano. Mas isso não mais me importava! Tinha entendido o recado: Deus tinha um plano específico arquitetado para mim. Assim como creio que Ele tem para todos os Seus filhos, nascidos do Espírito.
            Em 1995, quando o exame nacional da Unicamp foi ineditamente cancelado, recebi o primeiro pé do meu par de sapatos, encomendado anos antes, em oração a Deus. O outro pé do meu par de sapatos chegou em 1996, quando me tornei oficialmente aluna do curso de biologia da Unicamp.
            Embora, por vezes, pareça-nos demasiadamente difícil caminhar, Deus não se esquece dos Seus: Ele prepara um par de sapatos novos para cada trecho da nossa jornada.
           
           


quarta-feira, 7 de março de 2012

E a mulher saiu de casa


                
                     O Dia Internacional da Mulher seria uma data tão demagoga quanto qualquer outra, se esse dia não nos fosse útil para ao menos refletir, findadas as homenagens.
            Refletir sobre quem é a mulher, ou melhor, quem são as mulheres homenageadas em oito de março: são aquelas que- sim!- saem de casa todos os dias para trabalhar; mas, também, são todas que saem de casa, todos os dias, para que as outras saiam de casa para trabalhar. São também aquelas que trazem o trabalho para casa, ou ainda, que fazem da casa o seu trabalho.
            Talvez a mulher moderna não exista sem um trabalho. Contudo, existencialmente falando, talvez a mulher não exista sem uma casa. Dentro ou fora dela, todas acabam sendo “donas-de-casa”, embora, apenas uma parte de nós receba esse rótulo, por vezes, pejorativo, entre as próprias mulheres.
            Professoras, médicas, dentistas, arquitetas e bibliotecárias se fazem na Universidade. Já mulheres se fazem na família. Daí a importância latente de cuidarmos das nossas meninas no núcleo familiar. E também dos nossos meninos, para que aprendam a cuidar do coração dessas meninas enquanto elas se tornam mulheres. 
            Os tempos mudaram, conquanto, a feminilidade  ainda é mais necessária (e apreciada) do que o feminismo. Nunca fomos tão cobradas em “subir na vida” como na atualidade, por isso, galgamos sempre posições melhores, de maior destaque. Por outro lado, dizem-nos que “descer na vida” é vergonhoso para o gênero feminino, quase que ultrajante. Mas há mulheres que optam por descer alguns degraus, posicionando-se como base para sua família. Acredite, não haverá limites para o legado construído por esta mulher!
            Este dia nos convida a avaliarmos nossa postura frente a nós mesmas, a despeito dos achismos e das opiniões pré-fabricadas. Ademais, mulher, valorize-se por aquilo que você é, e não por aquilo que conquistar, afinal, seus melhores atributos já vieram inclusos no pacote básico de série. 

Sobre vírus e biólogos

            

            Biólogo há de ser o mais mutante dos seres vivos. Se por uma questão de replicação, resolva-se considerar os vírus como seres vivos, os biólogos estariam teti-a-teti com este grupo. Caramba! Tem o biólogo arquiteto, o biólogo engenheiro, o biólogo, advogado, o biólogo músico, o biólogo empresário (esqueci de algum? Com certeza!). Ah, claro, tem o biólogo biólogo.
              A começar na graduação, o biólogo se vê na berlinda ao ter que optar pelo laboratório, pelo campo, ou sala de aula. Ok. A seguir, escolhe-se entre a área médica (extinta em algumas universidades públicas), molecular ou ambiental. Chega? Que é isso!!! Lá dentro tem mais...Zoologia, Ecologia, Botânica, Bioquímica, Microbiologia, Imunologia, Genética, Evolução, Fisiologia, Anatomia...E mais trocentas opções.
            Ufa! Assim termina a "especiação" dos biólogos formandos. Ah, não termina...Tem as áreas afins, como matemática, estatística, informática, física, química. Porque todo biólogo que se preze é multifacetas. A maioria dos biólogos que conheci se formaria em outra grande área (humanas ou exatas) tranquilamente.
            Eita bicho imprevisível e insaciável! É difícil, é difícil...Não a toa que a cada encontro com um colega, surpreendo-me com uma história diferente; é delicioso.
            Por isso que nem considero a escolha de atuação de um biólogo qual um pacote fechado ou uma escalada finalizada. Quem sabe ainda não surpreenderá com outra mutação..." Who knows??" (interpelaria meu ex-orientador).
                Aliás, em que fase estou?
            Seja lá qual for, fui cuidadosamente talhada para não ser única. Sou toda possibilidades. Talvez tenha sido, verdadeiramente, por isso que escolhi a Biologia como ponto de partida. Independente qual seja hoje a "espécie", o "gênero" é biólogo. Não tenho dúvidas disso.

segunda-feira, 5 de março de 2012

O menino e o Leão


           
         
            Acabo de vivenciar momentos extremamente deleitosos junto com meu filho. Conversávamos na mesa posta para o café da manhã. Conversávamos, mas, verdade seja dita: aprendíamos um com o outro de alguma maneira. Pensava apenas ensinar-lhe, ou melhor, transmitir-lhe os valores nos quais baseio minha vida. Pasme! Conforme as palavras fluíam dos lábios, surpreendi-me decifrando meu próprio coração. No intuito de mostrar-lhe, fui eu quem realmente vi!
            Sim, enxerguei claramente a revelação da minha fé. Fé essa construída durante uma vida; mas que poderia ser construída, quem sabe, em poucos dias de vida (lembro-me agora do ladrão da cruz, que recebeu o Reino dos Céus nos seus últimos fôlegos de vida).
            A verdade que perpassa a humanidade é simples o suficiente para ser sorvida por uma criança. Pura o suficiente para não se misturar à confusão de nossos dias. Forte o suficiente para levar nossa morte - não me refiro àquela que tememos, mas àquela que desconhecemos, a qual é eterna.         
        Há dias trazia comigo um sentimento de impotência no resolver, no transformar, no alterar... E de tanto me valeu esta refeição, mais do que qualquer alimento! Valeu-me pelo toque de que a impotência me aproxima de um Deus onipotente, via o Leão da Tribo de Judá. É assim que Ele se coloca, e é assim que meu interlocutor de quatro anos o vê. Que grata visão!
            De fato, hoje tivemos uma conversa especial. Sem qualquer tipo de formalidade ou artifícios. E não seriam essas as melhores?