Encontrei entre meus arquivos (quase)
mortos, o começo do que deveria ter se tornado uma crônica, cujo tema vem bem a
calhar com o momento atual em que vivo.
Quando as meninas fictícias Júlia e Ana
ganharam essas linhas, eu ainda estava sob efeito da minha primeira gestação,
embora as informações do arquivo dêem conta de que tenha sido uns três anos
depois do nascimento do Gustavo.
Agora que me encontro novamente no “estado
de graça”, (como dizem por aí), divirto-me comigo mesma porque talvez a mãe de
Júlia e Ana possa me representar em alguns aspectos, em especial à sensação do
corpo roliço e do andar que teima em estar paquidérmico.
Se me propusesse a reescrever essas
linhas, hoje, acrescentaria a simbiose entre a mãe e sua barriga, principalmente
nos momentos em que se permite contemplar a superfície convexa que delineia o
planeta da criança.
Quem sabe um dia, Júlia e Ana ganhem mais
do que algumas linhas. Por enquanto, porém, que se contentem com o fragmento de
uma história. Provavelmente será Lydia que ganhará crônicas completas. Assim
espero.
“Júlia nasceu numa tarde quente, sem sol,
em meados de novembro. Nasceu acompanhada da irmã, Ana, com quem dividira o
espaço uterino e os nutrientes maternos durante sete meses e mais alguns dias
de claustro.
Naqueles dias, a mãe já não se aguentava
com o peso da barriga que mais lhe parecia um tonel transbordando até as bicas,
pronto a explodir a qualquer minuto. Há dias a mulher se encurvava, tentando
manter o equilíbrio do corpo roliço, desejando a todo custo que aquele suplício
chegasse a termo.
Ria-se do ritmo paquidérmico que seus pés
inchados adquiriram, em contrapartida, amava mais do que tudo aqueles bebês que
se modelavam em suas entranhas. Era como se já conhecesse os traços miúdos das
doces criaturas, vislumbrados em sonhos nas sonecas da tarde, das quais
despertava apavorada, com a sensação do parto lhe batendo à porta.
Mas tudo não passava de turbulentas
alucinações vespertinas. Logo voltava para a realidade da dor aguda no ventre;
acariciava a pele esticada que contornava o abdome globoso e continuava a
sonhar...” (Priscila Mendes, 2011).
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