quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

As primeiras linhas de Júlia e Ana



Encontrei entre meus arquivos (quase) mortos, o começo do que deveria ter se tornado uma crônica, cujo tema vem bem a calhar com o momento atual em que vivo.
Quando as meninas fictícias Júlia e Ana ganharam essas linhas, eu ainda estava sob efeito da minha primeira gestação, embora as informações do arquivo dêem conta de que tenha sido uns três anos depois do nascimento do Gustavo.
Agora que me encontro novamente no “estado de graça”, (como dizem por aí), divirto-me comigo mesma porque talvez a mãe de Júlia e Ana possa me representar em alguns aspectos, em especial à sensação do corpo roliço e do andar que teima em estar paquidérmico.
Se me propusesse a reescrever essas linhas, hoje, acrescentaria a simbiose entre a mãe e sua barriga, principalmente nos momentos em que se permite contemplar a superfície convexa que delineia o planeta da criança.
Quem sabe um dia, Júlia e Ana ganhem mais do que algumas linhas. Por enquanto, porém, que se contentem com o fragmento de uma história. Provavelmente será Lydia que ganhará crônicas completas. Assim espero.

“Júlia nasceu numa tarde quente, sem sol, em meados de novembro. Nasceu acompanhada da irmã, Ana, com quem dividira o espaço uterino e os nutrientes maternos durante sete meses e mais alguns dias de claustro.
Naqueles dias, a mãe já não se aguentava com o peso da barriga que mais lhe parecia um tonel transbordando até as bicas, pronto a explodir a qualquer minuto. Há dias a mulher se encurvava, tentando manter o equilíbrio do corpo roliço, desejando a todo custo que aquele suplício chegasse a termo.
Ria-se do ritmo paquidérmico que seus pés inchados adquiriram, em contrapartida, amava mais do que tudo aqueles bebês que se modelavam em suas entranhas. Era como se já conhecesse os traços miúdos das doces criaturas, vislumbrados em sonhos nas sonecas da tarde, das quais despertava apavorada, com a sensação do parto lhe batendo à porta.
Mas tudo não passava de turbulentas alucinações vespertinas. Logo voltava para a realidade da dor aguda no ventre; acariciava a pele esticada que contornava o abdome globoso e continuava a sonhar...” (Priscila Mendes, 2011).



sábado, 5 de janeiro de 2013

Sorrisos


             
              Parecia uma típica cena de comercial de televisão. O supermercado lotado, e nós na fila do caixa aguardando a vez de passar as compras. Atrás de nós, um homem encostou seu carrinho de compras, parcialmente cheio de produtos que as mães costumam apelidar de “porcarias”.
            Estávamos ambos, meu marido e eu, por conta do nosso carrinho de compras, enquanto nosso filho estava por conta dele mesmo, ao nosso lado.
            Quando dei por mim, o menino se projetava na lateral do carrinho alheio para analisar detalhes da compra que o homem estava prestes a concluir. Fiquei um tanto quanto encabulada, especialmente quando notei que o dono das compras também observava a indiscrição deliciosa do menino que, em certo momento, esteve prestes a subir no carrinho para observar detalhadamente a mercadoria escondida por debaixo da primeira camada de produtos que já havia explorado.
            Chamei o garoto para junto de mim. A princípio foi um chamado contido que, não tendo sido atendido prontamente (em geral as mães são desesperadas), transformou-se num chamado urgente, e logo mais em um pedido de clemência: Gustavo venha aqui!
            Só então o menino percebeu estar sendo observado longamente pelo homem, e achegou-se para junto de nós. Verdade seja dita: nem acredito que o tenha feito por vergonha. O menino não é disso; ele é até cara de pau, para ser honesta.
            Resumindo a história, de tudo que chamou a sua atenção naquele carrinho, interessou-lhe mesmo as “batatas sorriso”, que ele descreveu como sendo as “batatas com carinha feliz” que o homem estava levando para casa.
            Participando a tudo, o dono do carrinho não disfarçou certa dose de satisfação pelo plágio inocente do garoto, cometendo, por fim, plágio maior, só que em relação às batatas, abrindo largamente um sorriso amarelo.