quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Metamorfoses



              Hoje, quando o menino acordou, pulou na nossa cama, sentou-se no colo do pai e, olhando para sua própria imagem refletida no espelho, indagou: 
             -Hoje eu acordei com o cabelo preto?
        Não, pequeno. Absolutamente, não foi dessa vez que suas madeixas se enegreceram; e nem seria assim, tão de repente. Leva-se um tempo para que a metamorfose aconteça, o que nem sempre implica na mudança dos fios, da tez... 
            Mas quem disse que o menino está preocupado com isso? As crianças amadurecem despreocupadamente, sem a mínima responsabilidade por esse processo. 
            Por trás desse desejo maroto, aparentemente sem maior importância, pode haver uma criança em busca de identificação com seus progenitores, uma vez que a infância lhe agraciou com os cabelos mais claros, ainda que seja por pouco tempo. 
            Pode ser que no futuro, o rapaz de cabelos castanhos escuros, que talvez ele se torne, olhe para suas fotos de infância e deseje retornar àquele tempo para reencontrar seus carrinhos, seus dinossauros, suas feições imberbes. 
             Voltemo-nos, contudo, para o hoje e o agora... Quem sabe possamos deduzir que os “cabelos negros dos pais” também representem uma expressão velada de sua admiração por eles. Se sim, seria uma linda demonstração de carinho, mesmo porque já sabemos, de antemão, que os filhos crescem, e deixam de ser uma continuidade da gente conforme vislumbram o horizonte que se desenha pela janela da casa. 
             Ademais, ao invés de fechar essa janela, receosos de que esse dia enfim chegue, quem sabe seja o caso de aproveitar a luz externa que invade a casa, para tornar mais nítidos os matizes dessa infância colorida, a qual não deve ser abreviada, nem, contudo, prolongada. Deve durar tempo suficiente para a metamorfose da pupa em borboleta.
            Enquanto o milagre ocorre, é tempo de deliciar-nos com os pensamentos incutidos nessas palavras de pura inocência. Sim, sentiremos saudade, muito embora tenham sido capítulos bem escritos, se bem vividos. 
             E se, porventura, a vida lhe der os cabelos pretos, com os quais hoje ele sonha, muito provável que até lá os nossos já estejam grisalhos. Porém, como o menino sempre nos diz: “isso não tem importância”. Afinal, as nuances dos cabelos mudam, mas o amor nunca desbota.

            

Um beta chamado Beto (In memoriam)


        
          
            Triste, triste mesmo, é testemunhar a vida definhando. Seja ela de que tipo for, sendo vivo, é triste ver morrer.
          Neste exato momento, enquanto escrevo essas linhas, divido a sala com um peixe betta que definha irreversivelmente. De vez em quando volto o olhar para conferir se o peixe ainda luta. Em pensar que há menos de um mês chegou assanhado a essa casa, com seu vermelho reluzente, o mesmo que agora desbota gradativamente... Não dá para entender o porquê dos bettas serem criaturas tão frágeis.
          Ao invés de agitar as nadadeiras bailarinas, arrasta-se pelos cantos do pequeno aquário tal qual um notívago que foge da luz. Por duas vezes já tentei alimentá-lo sem obter sucesso. Outrora, era certeiro nas bolotinhas de ração que pingavam na superfície da água, golfando uma a uma sem qualquer cerimônia. Também outrora, o chamávamos - “Beto!” - e ele nos acudia com um nado espevitado que quase nos levava a delirar de que se tratasse de um cachorro.
          Numa dessas madrugadas de insônia macilenta, passei pela sala e acendi a luz. Onde estaria o peixe? Descobri que o beta dormia, como qualquer outro morador dessa casa. De pronto, devolvi-lhe a escuridão.
          Porquanto, hoje, o sol preenche todo o aposento e ele parece não perceber. Estaria cego? Foi esta a impressão que tive da última vez que tentei alimentá-lo. Parecia procurar por algo; talvez alimento, talvez vida... Não sei. O que sei é que ele não deveria ter impetrado aqueles olhos de alfinete dentro do meu coração de carne. Ah, isso não...
          Mas a vida não se esvai assim, de graça. O peixe luta e reluta, enquanto esgueira o corpúsculo na água, assim como um avião que toma distância para levantar vôo, mas não ganha o céu.
          O peixe está morrendo na praia de água doce, meus senhores, e não posso fazer nada. Posso apenas comprovar que vida nenhuma é banal, e torcer para que essa retorne das cinzas, para que o betta vermelho continue a ser o quarto morador dessa casa.






quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Eu, ele e o gato





                 Ao caminhar com o Gustavo (meu filho de cinco anos) pelas ruas íngremes do condomínio, passamos por um gato que se mostrou arredio ao chamado do menino. De fato, aquele gato não queria saber de conversa...
                 Alguns metros depois, passou por nós um carro da Polícia Militar. O menino acena, e grita:
                 -Ei, polícia, vem prender o gato.
                 - Mas, sob qual acusação?- protestei.
                 -Ele come passarinho!
            -Ei, como assim? E a gente não come? A gente come frango, que é ave tanto quanto o passarinho.
                 -Mas isso a polícia deixa, mamãe- respondeu de pronto.
                O causo tinha ainda muito para complicar, motivo pelo qual o provoquei:
                -E se for frango à passarinho?
               Após um momento em silêncio, concluiu:
               -Ah, isso não pode também.
     Lições dessa nossa caminhada: que culpa tem o gato, se não é vegetariano? Que culpa tenho eu, se como frango? Ora, somos vítimas de nossos próprios preconceitos. Nesse caso, a culpa é toda da semântica.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Um par de sapatos.





            No ano de 1995, eu era uma vestibulanda de dezessete anos, que mal concluíra o colegial, mas já rascunhava alguns projetos de vida. Falaram-me por aquele período que deveria escolher uma carreira para toda a vida, que precocemente avaliei como sendo a Medicina.
            Preparei-me para a prova, não menos nem mais do que meus concorrentes. Estudei e orei incansavelmente pelo dia “D”, que afinal chegaria junto com o mês de novembro.
            Lembro-me vagamente de que naquele domingo da primeira fase do Vestibular da Unicamp, fazia uma tarde quente e amarela, e ainda nem era verão. Adentrei ao recinto da prova munida de muita expectativa, uma ou duas barrinhas de cereais, um copo de água mineral, algumas balas e uma quantidade razoável de esperança. Nada mal para a maratona que correria ali.
            Optei por começar a prova pela parte que sempre me fora mais familiar: a redação. Com bastante atenção, li e reli os temas propostos para a carta, dissertação, e narração (assim como ainda o é hoje). Decidi pelo tema proposto para a narração. Que perigo! Num misto de inexperiência e empolgação, coloquei-me em duelo com o tempo, principal vilão das provas e concursos públicos.
            Refém de dispensável perfeccionismo, resolvi fazer o rascunho a lápis na própria folha da prova, ainda que as orientações da banca fossem muito claras, de que textos redigidos a lápis não seriam corrigidos. “Tudo certo” pensei, “passo a caneta azul após resolver as questões”. Ledo engano, ingênuo pensamento. Fui traída pelo meu excesso de cuidado, pois, quando me arrancaram a prova nos acréscimos do segundo tempo (definitivamente, não há prorrogações em vestibulares), a redação ainda estava a lápis.
            Ah, sim, aquele foi um dos momentos mais pontiagudos da minha vida. Machucou-me entregar aquela redação ainda crua, sem a tinta da esferográfica encapando as letras. Acabara de perder a chance de concorrer a uma vaga na universidade dos meus sonhos. Porquanto, agora, não havia nada mais a fazer, caso encerrado. Quem saiu da sala, foi uma garota cabisbaixa, a um passo da desesperança. Ainda não acreditava que aquilo estava acontecendo realmente, e que não se tratasse de um dos meus pesadelos costumeiros de vestibular.
            Adiantei-me em espalhar a notícia em casa: “Unicamp já era para mim esse ano”. Só quem já passou por uma situação em que colocou tudo a perder por nada, sabe o quanto é difícil ter que se explicar , e, o quanto pior é ter que contá-la e revivê-la por vezes e vezes! Melhor seria reunir toda a população mundial dentro de uma sala e explicar o acontecido de uma única vez, dando por encerrado o assunto.
            O primeiro a escutar minhas lamúrias, foi o próprio Deus. Inconformada, contei-Lhe por horas a fio sobre o que se sucedera na prova (embora Ele soubesse de tudo, pensei que O agradasse ouvir minha versão). Chorei aos pés do meu bom Mestre, para quem escrevera dezenas de cartas, durante aquele ano, nas quais incluía minhas ansiedades e expectativas com respeito a essas provas. Porquanto, lá estava eu, com uma redação que nem ao menos seria validada para correção.
            Antes que acabasse o domingo fui à igreja. Lembro-me de estar orando quando recebi um consolo sem igual do Pai de amor. Voltei para casa consolada, apenas isso, mas, com tudo isso! Colocara minha vida mais uma vez nas mãos do meu Senhor. Ele me dissera que Seus presentes são completos. Afinal, você daria apenas um pé de sapato para alguém (que não a Cinderela, claro)? Por certo que não. Quanto menos o daria Deus, que completa em nossa vida toda a boa obra.  

            Dia seguinte, cogitei não aparecer no colégio. Um costume bobo da gente é conferir respostas depois que se termina uma prova, por isso, nunca gostei de gabaritos. Sabia que o gabarito da prova correria solto na sala; mais ainda, que os colegas compartilhariam suas opiniões e impressões sobre as questões e os temas de redação, o que implicaria ter que contar-lhes sobre a gafe do dia anterior.
            Não foi esse o caso. Ao invés disso, falava-se sobre uma suposta anulação da prova da Unicamp, devido a denúncias de vazamento de um dos temas da prova de redação, para determinado cursinho da cidade. Mal pude acreditar! Dias depois, a polêmica ganhou corpo e ficou nacionalmente comprovado o escândalo, aos moldes atuais do ENEM.
            Dois meses depois, assim como outros milhares de vestibulando do ano de 1995, fui convocada a refazer a prova da primeira fase do vestibular da Unicamp. Jamais imaginei que receberia uma nova chance no mesmo ano! Porém, desta vez, acumulara uma pequena experiência e já sabia como e por onde começar. Também soube finalizar a redação, uma dissertação caprichosamente escrita com tinta azul.
            Nunca mais me esquecerei dessa experiência! Engraçado que fiquei por algum tempo com receio de compartilhá-la com as pessoas, uma vez que, certa de ter sido ouvida por Deus, considerava ter parte de “culpa” neste acontecimento ímpar. Afinal, jamais a Unicamp cancelara uma prova com tamanha repercussão!
             Tive a minha segunda chance do ano, embora, não tenha entrado na universidade dos meus sonhos naquele ano. Mas isso não mais me importava! Tinha entendido o recado: Deus tinha um plano específico arquitetado para mim. Assim como creio que Ele tem para todos os Seus filhos, nascidos do Espírito.
            Em 1995, quando o exame nacional da Unicamp foi ineditamente cancelado, recebi o primeiro pé do meu par de sapatos, encomendado anos antes, em oração a Deus. O outro pé do meu par de sapatos chegou em 1996, quando me tornei oficialmente aluna do curso de biologia da Unicamp.
            Embora, por vezes, pareça-nos demasiadamente difícil caminhar, Deus não se esquece dos Seus: Ele prepara um par de sapatos novos para cada trecho da nossa jornada.
           
           


quarta-feira, 7 de março de 2012

E a mulher saiu de casa


                
                     O Dia Internacional da Mulher seria uma data tão demagoga quanto qualquer outra, se esse dia não nos fosse útil para ao menos refletir, findadas as homenagens.
            Refletir sobre quem é a mulher, ou melhor, quem são as mulheres homenageadas em oito de março: são aquelas que- sim!- saem de casa todos os dias para trabalhar; mas, também, são todas que saem de casa, todos os dias, para que as outras saiam de casa para trabalhar. São também aquelas que trazem o trabalho para casa, ou ainda, que fazem da casa o seu trabalho.
            Talvez a mulher moderna não exista sem um trabalho. Contudo, existencialmente falando, talvez a mulher não exista sem uma casa. Dentro ou fora dela, todas acabam sendo “donas-de-casa”, embora, apenas uma parte de nós receba esse rótulo, por vezes, pejorativo, entre as próprias mulheres.
            Professoras, médicas, dentistas, arquitetas e bibliotecárias se fazem na Universidade. Já mulheres se fazem na família. Daí a importância latente de cuidarmos das nossas meninas no núcleo familiar. E também dos nossos meninos, para que aprendam a cuidar do coração dessas meninas enquanto elas se tornam mulheres. 
            Os tempos mudaram, conquanto, a feminilidade  ainda é mais necessária (e apreciada) do que o feminismo. Nunca fomos tão cobradas em “subir na vida” como na atualidade, por isso, galgamos sempre posições melhores, de maior destaque. Por outro lado, dizem-nos que “descer na vida” é vergonhoso para o gênero feminino, quase que ultrajante. Mas há mulheres que optam por descer alguns degraus, posicionando-se como base para sua família. Acredite, não haverá limites para o legado construído por esta mulher!
            Este dia nos convida a avaliarmos nossa postura frente a nós mesmas, a despeito dos achismos e das opiniões pré-fabricadas. Ademais, mulher, valorize-se por aquilo que você é, e não por aquilo que conquistar, afinal, seus melhores atributos já vieram inclusos no pacote básico de série. 

Sobre vírus e biólogos

            

            Biólogo há de ser o mais mutante dos seres vivos. Se por uma questão de replicação, resolva-se considerar os vírus como seres vivos, os biólogos estariam teti-a-teti com este grupo. Caramba! Tem o biólogo arquiteto, o biólogo engenheiro, o biólogo, advogado, o biólogo músico, o biólogo empresário (esqueci de algum? Com certeza!). Ah, claro, tem o biólogo biólogo.
              A começar na graduação, o biólogo se vê na berlinda ao ter que optar pelo laboratório, pelo campo, ou sala de aula. Ok. A seguir, escolhe-se entre a área médica (extinta em algumas universidades públicas), molecular ou ambiental. Chega? Que é isso!!! Lá dentro tem mais...Zoologia, Ecologia, Botânica, Bioquímica, Microbiologia, Imunologia, Genética, Evolução, Fisiologia, Anatomia...E mais trocentas opções.
            Ufa! Assim termina a "especiação" dos biólogos formandos. Ah, não termina...Tem as áreas afins, como matemática, estatística, informática, física, química. Porque todo biólogo que se preze é multifacetas. A maioria dos biólogos que conheci se formaria em outra grande área (humanas ou exatas) tranquilamente.
            Eita bicho imprevisível e insaciável! É difícil, é difícil...Não a toa que a cada encontro com um colega, surpreendo-me com uma história diferente; é delicioso.
            Por isso que nem considero a escolha de atuação de um biólogo qual um pacote fechado ou uma escalada finalizada. Quem sabe ainda não surpreenderá com outra mutação..." Who knows??" (interpelaria meu ex-orientador).
                Aliás, em que fase estou?
            Seja lá qual for, fui cuidadosamente talhada para não ser única. Sou toda possibilidades. Talvez tenha sido, verdadeiramente, por isso que escolhi a Biologia como ponto de partida. Independente qual seja hoje a "espécie", o "gênero" é biólogo. Não tenho dúvidas disso.

segunda-feira, 5 de março de 2012

O menino e o Leão


           
         
            Acabo de vivenciar momentos extremamente deleitosos junto com meu filho. Conversávamos na mesa posta para o café da manhã. Conversávamos, mas, verdade seja dita: aprendíamos um com o outro de alguma maneira. Pensava apenas ensinar-lhe, ou melhor, transmitir-lhe os valores nos quais baseio minha vida. Pasme! Conforme as palavras fluíam dos lábios, surpreendi-me decifrando meu próprio coração. No intuito de mostrar-lhe, fui eu quem realmente vi!
            Sim, enxerguei claramente a revelação da minha fé. Fé essa construída durante uma vida; mas que poderia ser construída, quem sabe, em poucos dias de vida (lembro-me agora do ladrão da cruz, que recebeu o Reino dos Céus nos seus últimos fôlegos de vida).
            A verdade que perpassa a humanidade é simples o suficiente para ser sorvida por uma criança. Pura o suficiente para não se misturar à confusão de nossos dias. Forte o suficiente para levar nossa morte - não me refiro àquela que tememos, mas àquela que desconhecemos, a qual é eterna.         
        Há dias trazia comigo um sentimento de impotência no resolver, no transformar, no alterar... E de tanto me valeu esta refeição, mais do que qualquer alimento! Valeu-me pelo toque de que a impotência me aproxima de um Deus onipotente, via o Leão da Tribo de Judá. É assim que Ele se coloca, e é assim que meu interlocutor de quatro anos o vê. Que grata visão!
            De fato, hoje tivemos uma conversa especial. Sem qualquer tipo de formalidade ou artifícios. E não seriam essas as melhores?  

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Quatro Anos...


          ...É o tempo exato que nos separa daquela manhã de segunda-feira, no Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Pela terceira vez em menos de um ano, estávamos entregando nosso bebê nas mãos da equipe de cirurgiões cardiopediatras daquele hospital. Gustavo nasceu premiado com uma aorta que precisava ser “aberta” e um septo cardíaco que precisava ser “fechado”.
            Entendíamos que Deus estava conosco, embora, nem sempre Sua voz fosse claramente discernida, tamanho o turbilhão de emoções que vivíamos. Ainda assim, jamais Ele permitiu que O perdêssemos de nossas vistas.
            Neste ínterim, não foram poucas as situações que fugiram do nosso controle: pós-cirúrgicos marcados por incertezas; intercorrências neurológicas... Em contrapartida, conheci o Deus que se revela nas madrugadas escuras e sombrias; que não se incomoda em “pernoitar” num quarto de enfermaria. Ali mesmo, reconheci o Deus da minha infância. “O Deus dos antigos, dos nossos antepassados”.
            Passados quatro anos desde esta última internação, permanece o legado construído sobre uma das experiências mais tensas e dolorosas que vivemos. Não penso que, a soberania de Deus seja provada pela cura do nosso filho, ainda que muito tenhamos nos alegrado quando essas palavras foram anunciadas pelo Dr José Pedro da Silva. Tampouco, que a fidelidade de Deus seja provada pelos exames clínicos que atestam as cirurgias bem sucedidas. Também isso, mas não apenas isso!
            A soberania e fidelidade de Deus são provadas porquanto Ele nos permitiu entrar num grande vale, dentro do qual nos conduziu a momentos reais de paz e esperança. Na ausência de boas notícias e diagnósticos promissores, Ele providenciou alento para nossa alma. “Quando passar pelo vale da sombra e da morte, não temerei mal algum, porque Tu estás comigo”. Sim, aprendemos sobre morte e vida, passando pelo vale, onde não existe outra luz senão Daquele que é poderoso para conduzir nossos pensamentos para a segurança da Sua presença.
            Costumo brincar que, de mim, o Gustavo herdou os olhos e o coração (no demais, é cópia do pai). Ambos nascemos com olhos expressivos e com um “buraquinho” entre os dois ventrículos cardíacos. Porém, nem todos os buraquinhos no coração da gente são herdados de nascimento. A maioria deles surge no decorrer da vida; às vezes resultam de uma perda muito dolorida, outras, de uma frustração por demais profunda.
            O “buraquinho” no coração do Gustavo alcançava 10 mm, antes de ser fechado pelas hábeis mãos dos médicos. Talvez o “buraquinho” que você carregue em seu coração alcance dimensões irreparáveis por uma ou duas cirurgias. No decorrer desses quatro anos, reconheço a mão de Deus fechando alguns desses “buraquinhos” que foram esculpidos em meu coração pelas situações incertas da vida.
            Quatro anos é a quantidade de tempo que nos separa de um acontecimento que marcou nossa história como família. Contudo, Deus só precisa de um segundo de nosso tempo para implantar uma nova esperança dentro do nosso coração: “Eis que faço uma coisa nova, agora sairá à luz; porventura não a percebeis? Eis que porei um caminho no deserto, e rios no ermo.” Amém.
           

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

As imprevisibilidades da maternidade


            
Não raro, questiono-me de onde teria vindo este pragmatismo maternal que me possui sem mais, nem menos. Mas é só vasculhar nos arquivos do meu passado recente para tecer relações entre meu atual estado de mãe com o de cientista, que um dia aspirei a ser.
Anos de prática em laboratório me deixaram de herança o hábito de não guardar pequenas porções de alimentos no freezer. Absolutamente! Eu os guardo em alíquotas. E nada mais técnico do que aliquotar feijão. Se para uma simples tarefa cotidiana sofri os efeitos da Ciência, o que dirá na tarefa de ser mãe.
Para início de conversa, eu me lembro de que ao pegar meu querido bebê no colo, ainda com 12 horas de vida, um frio percorreu minha espinha (garanto que não era efeito rebote da raquidiana) ao imaginar que aquela frágil criatura em meus braços tinha menos tempo de vida do que eu costumava manter células em cultura: quatro dias entre uma passagem e outra.
            Da cultura de células herdei o excesso de zelo por aquelas unidades de vida microscópicas que chegava a chamar de filhas no auge da minha loucura (leia-se: em final de tese). Naquele tempo, o que conhecia sobre a maternidade era cultivar minhas linhagens celulares em condições de temperatura, acidez e níveis de gás carbônico, extremamente controlados. Se tudo estivesse de acordo, suprindo-as com um bom meio de cultura, esperava bons resultados em meus experimentos. Ainda assim, nada era muito preciso. Existiam as contaminações ocasionais, combatidas com boas doses de antibiótico de amplo espectro e no pior dos casos, quando não se resolvia bombasticamente o problema, descartavam-se as células “bichadas”, e nova alíquota era descongelada para outros tantos experimentos.
         É fato que, inconscientemente, incorporei este rigor científico e o trouxe na mala da maternidade, com a ressalva de que tenho plena consciência de que a maternidade não é um experimento. Ela é definitiva. E como!
     Porém, em relação aos cuidados com gente, não tenho como controlar as condições de temperatura - outono, primavera, inverno, verão - quanto menos prever mudanças drásticas causadas pelo efeito estufa. Portanto, dá-lhe crises alérgicas na minha criança, contra as quais não posso fazer muita coisa! Tirar o pó da casa? Já o faço! Acabar com a poeira do mundo? E quando acontecem as terríveis contaminações? Digo infecções. Não posso entupi-lo com o mais potente antibiótico, quanto menos descartá-lo e começar de novo.
            As variáveis são agora imprevisíveis e os desfechos de cada episódio também. Já tentei tomar as rédeas da situação, mas, naturalmente, não consigo. E nem quero. Sinto dizer que a Ciência me preparou para tudo, menos para este novo imprevisível. Embora eu imaginasse saber dominá-lo enquanto trabalhava diante de um fluxo laminar.
            Apesar disso, não troco a experiência desta maternidade pela primeira, ainda que tenha saudade das filhas microscópicas, com quem treinei ser responsável por vidas que dependam da minha. Aquelas criaturas que gerei de uma alíquota descongelada do nitrogênio líquido me renderam, no máximo, bons resultados. A criatura que gerei há quase cinco anos, mergulhado por nove meses numa estufa miraculosa, chamada útero, olhou para mim ontem, e disse: “te amo, mamãe.”

            Ah, as imprevisibilidades da maternidade...

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Mais do que palavras.


        Atitudes valem mais do que palavras. Parto desta premissa para compor as próximas linhas...
           De tempos em tempos adotamos opiniões extremistas em relação a tudo que nos cerca. Ama-se ou odeia-se. Eu defendo as palavras, você as atitudes. Mas não optamos por aceitá-las em pé de igualdade na importância. Existem momentos em que só cabem palavras, e momentos em que as atitudes validam as palavras. Palavras derrubam, mas também levantam, confortam, apóiam, encorajam, inspiram. Atitudes também. Palavras podem ser vazias ou cheias de verdade, quando a atitude começa no coração.
          É possível alguém fazer algo por outrem sem, contudo, fazê-lo com o coração. Daí, de que adianta a ação? É possível que a atitude esconda uma intenção egoísta; algumas podem aparentar altruísmo, mas embutem a intenção de alcançar honras para o autor da ação. Aquela história de que “palavras me conquistam, mas atitudes me ganham ou me perdem”, soa um tanto egocêntrico também, como se estivéssemos aptos a julgar uma ou outra ação alheia com respeito a nós. Se fôssemos menos severos em julgar palavras e atitudes, esperaríamos menos das pessoas e agiríamos mais.
          Enquanto que as palavras são rechaçadas, desprezadas até, porque existam palavras falsas (tanto quanto atitudes), ou porque sejam mais facilmente criadas pela boca das pessoas. Sim, elas tendem a ser levianas, hipócritas, cruéis em tantas situações. Por outro lado, quem, em algum momento de angústia, não foi abençoado por uma palavra bendita?
          Fato primeiro: a boca fala do que está cheio o coração, pois, palavras nascem de atitudes íntimas, escondidas nas entranhas da alma. Fato segundo: não se pode ocultá-las da vista alheia por muito tempo. Elas repercutem ao mundo, ora por palavras, ora por ações.
          Que nossas palavras e atitudes sejam casadas em todo o tempo, e não caiamos na armadilha da lábia ou da dramatização de ações. Que sejamos verdadeiros, cristalinos ao mundo, assim como aquele Homem cujas palavras exalavam vida para aqueles que o procuravam. Ele era, e ainda é, a perfeita combinação entre palavra e atitude, porque é o Verbo. O verbo Jesus cabe perfeitamente dentro do seu e do meu coração.