sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

The Cafe Terrace on the Place du Forum, Arles, at Night, 1888 (Van Gogh)


Naquela noite de sexta-feira, senti as estrelas mais próximas dos homens. O céu atingira o tom marinho mais intenso que meus olhos já haviam testemunhado. Sentado no terraço frente ao Café, reclinei a cabeça em atitude contemplativa. As ruas da cidade estavam quase vazias. O cenário de introspecção se completava graças a luz pálida que escapava do interior das casas ao redor do estabelecimento. Ainda em êxtase, levei à boca uma xícara de chá que repousava sobre a mesa. Um aroma quente de jasmim percorreu o caminho até minhas narinas, precedendo o sabor marcante da bebida prestes a ser deglutida. Voltando a mim, notei um casal que caminhava no passeio público. Observei, curioso, suas expressões faciais a fim de desvendar o enigma daquela conversa íntima. A dama vestia um elegante vestido em seda turquesa à moda daquele ano de 1888. O porte delicado indicava tratar-se de uma jovem. Seu acompanhante aparentava um homem de meia idade trajado elegantemente para nossa época.
Pareceu-me interessante analisar o casal, visto que já explorara o céu e seus luminares em demasia. Por hora, dediquei-me por completo à nova ocupação. A penumbra se opunha entre mim e meu objeto de estudo, motivo pelo qual forcei os olhos na tentativa de capturar detalhes mais precisos. Ao meu lado, apresentou-se um rapaz franzino aparentando não mais do que vinte anos. Pele clara, olhos muito expressivos, porém pequenos. Senti certa melancolia naquele olhar subalterno e logo me condescendi à sua frágil figura. Em voz rouca me perguntou se gostaria de outra xícara de chá. Só então notei que trazia um avental amarrado sobre a camisa gasta, mas muito bem asseada. Abduzido por aquela nova distração, não me ocorrera que a xícara estivesse vazia. Meneei a fronte de forma afirmativa e reservei-me o direito de voltar ao meu estudo, que mal começara já havia sido interrompido.
Que singular a figura daquela mocinha. Ao longe não consegui construir a perfeita imagem de sua fisionomia, mas procurei deduzi-la a partir dos elementos que o luar me permitia conhecer. Busquei uma voz condizente com sua jovialidade. Muito provavelmente, casaria bem com um timbre claro e suave. Adoraria ouvi-la cantar. Quem dera a brisa fresca da noite me trouxesse uma amostra da sua voz!
O casal caminhava em direção ao Café, sem, contudo, esboçar aproximação. Temi que continuassem em frente, não atraídos pelo aroma exótico das bebidas quentes consumidas pelos frequentadores do local. Minha suspeita se confirmava conforme avançavam pelo passeio público.
Neste ínterim, o rapazola voltou trazendo uma nova xícara de chá fumegante. Apressou-se em servir a bebida de modo gentil. Dispensei-lhe pouquíssima atenção, pois não conseguia me desvencilhar daquela desconhecida que roubou meu interesse pelas estrelas. Cético, acompanhei os passos do casal enquanto se afastavam do meu campo de visão. Que triste fim para um devaneio que começara tão promissor. “Eu a perdi! Eu a perdi!” Revoltado, lamentei minha falta de sorte. Eu poderia tê-la visto frente a frente e conhecido os detalhes de seus traços. Quem sabe escutaria o teor da conversa entre os dois transeuntes, desvendando o mistério em torno daquela relação. Decerto, perdi a oportunidade de responder aos questionamentos obtusos da minha mente.
Desanimado com a idéia de criar novo passatempo para enquanto durasse aquela segunda xícara de chá, voltei minha atenção ao céu e às estrelas que se exibiam naquela noite de sexta-feira.
(Priscila P. Mendes)

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