sábado, 16 de outubro de 2010

Sic volo, sic jubeo*


Bem vindo ao século do boom científico. Ontem nos contentávamos em clonar um organismo pluricelular. Hoje há quem construa organismos unicelulares. Os mais entusiasmados dizem ser o início de uma nova Criação.
É verdade que ainda não chegamos ao propósito pelo qual se faz Ciência que, em suma, é postergar a morte em prol da vida. Mas somos levados a acreditar que o ser humano caminha a passos bem mais largos em direção a este fim.  Não há como ficar omisso à avalanche de artigos científicos que deslumbram atalhos, divulgam descobertas e promovem esperança.
Temos tecnologia de ponta à nossa disposição nas lojas dos shoppings. Basta ter dinheiro para adquirir produtos da mais alta tecnologia, como máquinas que lavam e secam roupas automaticamente, câmeras digitais de crescentes megapixels, tablets, iPhones; apenas citando alguns exemplos do nosso cotidiano. Em vários setores, a tecnologia se encarrega de oferecer ao homem uma vida com máximo conforto.
Pensa-se que o ser humano aos poucos se torna auto-suficiente a exemplo de suas máquinas que lavam e secam roupas de uma vez. Poderá a ciência nos dar tudo que queremos? Por meio dela poderemos ser tudo que ordenarmos?
Diante deste cenário promissor (tanto quanto ficcional) me atenho a observar pessoas. Existe um vazio não verbalizado retido nas entrelinhas. Há, sim, uma geração crente de que a vida se baseia neste contexto material. Aqueles que pregam a doutrina do auto suficienticismo. “Por favor, deixem Deus fora disso”. É a moda da vez.
Por outro lado, admiro homens e mulheres que, imersos no meio científico não dispensam Deus simplesmente porque o genoma humano foi totalmente sequenciado.  Não me esqueço das palavras do cirurgião cardíaco para quem entreguei meu filho recém-nascido na porta do centro cirúrgico: “Mãe, se você tem fé, ore por nós”.
Sim, existe uma dimensão em que a ciência não alcança com seu poder de persuasão.  Por mais que tenha se preparado tecnicamente e, por mais que deseje a vida para seu paciente, o médico não é capaz de impedir a morte. Embora a ciência nos prometa a eternidade, até agora só nos convenceu de nossa mortalidade.
Alguns julgam que, entregar suas escolhas para Deus, com todas as suas implicações, é o caminho mais fácil a seguir.  Porquanto, quando o conhecimento humano chega ao seu limite na resolução de uma causa considerada humanamente impossível, não há caminho mais desafiador do que entregar tudo nas mãos de Deus. Sorte daqueles, cuja fé alcançar esta mão.

* Em latim: “como quero, assim ordeno”.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Leiam-me:

São palavras que me alimentam, e não dígitos. E, via de regra, são os dígitos as principais ferramentas em um laboratório de pesquisa em biologia. Neste feudo da sapiência perdura a ditadura do empirilismo, que se contrói com tijolos maciços de números. Assim, têm-se uma cadeia infinita de dados logicamente perfeitos (ou ao menos se tenta). Pergunto: onde está a coerência nisso tudo? Afinal a vida in natura prova por si mesma ser cheia de imprecisões e variações misteriosas que burlam a exatidão experimental! É como se nos dissesse: não me limite a uma placa de cultura; não tente me controlar. “Eu não permitirei!”, protesta.
Faço ciência no âmbito da biologia, sim. Contudo, sou cientista em termos. Encontro-me cientista, agora, nos próximos meses. Mas quem serei para sempre? Amante das letras; leitora irrecuperável; aspirante à poeta; subjetiva demais para os textos científicos. Este último me disseram.
Enquanto inquilina neste universo idealizado dos serviçais do conhecimento, sinto um vazio do tamanho da minha frustração. A frustração de terminar um dia de labuta e voltar para casa sem o resultado pretendido. Com quanta hostilidade me retribui a bendita metodologia científica!
Cabe aqui uma reflexão relâmpago: o estudo científico avançou muito desde os idos de Pasteur. Sim, sem dúvida alguma. Mas, sinto-lhes informar que quanto mais perto, mais longe. A ciência é insaciável. Por Pasteur e por outros, admiro os cientistas de carteirinha que já nasceram investigando o porquê da existência do umbigo.
Escrevi este texto como um registro deste dia, que se tornou especial simplesmente porque voltei a ler meu livro de cabeceira. Assim o é porque nunca termino o primeiro volume de “Os Miseráveis”. Atesto aos leitores que tudo muda dentro em mim quando retorno ao meu mundo fraseado. Assim como um tísico se agarra ao oxigênio para fazer viver seus pulmões trôpegos, também eu me agarro à leitura para respirar ares mais ecléticos. A ciência concede ao homem um belo espetáculo. Confesso que não me incomodaria em ser uma mera expectadora.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Aconchego.

Pegá-lo no colo é um privilégio sem igual para esta mãe.Mesmo você já tão pesado, meus braços não sucumbem ao sustentá-lo.Você dormindo, traz olhos cerrados, hálito quente, cabelo desalinhado. Fim de expediente para nós. Encerradas suas brincadeiras, agora, só amanhã.
Enquanto o levo pra casa, você conclui, em sonho, suas aventuras de criança. Assina seus desenhos, repletos de peixes e girafas. Beija o rosto arredondado de alguma menina. Desce o escorregador de olhos fechados. E tudo não se passa de um universo do tamanho de um cochilo. Quando chegarmos à nossa casa, você já sabe que o colocarei na sua cama. Tirarei seu tênis e suas meias, aonde encontrarei um restinho da areia com a qual imagino que tenha construído seu castelo.
Embora não lhe pareça, os tempos vão mudando. As novidades tornam-se ultrapassadas num estalo dos seus dedos. Por aí, milhares de vozes indicam caminhos; confabulam soluções; criam novas doutrinas. Você, menino, cresce indiferente. Vai montando seu próprio cenário ao juntar as peças do quebra-cabeça. Ainda cedo, foi-lhe apresentado o Pastor da história e dos fatos, nos relatos que trazemos à sua descoberta. Anseio que esta semente germine nesta sua primavera, gerando frutos perenes de salvação. Pois não há maior certeza do que esta: o Pastor sempre cuidará desta ovelhinha.