sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Olhos de botão



Quando ele crescer e não mais couber sentado na caixa de brinquedos, talvez me pergunte como fora nos tempos de bebê. Quais imagens resgatarei pra ele? Bem...
Achava graça em seus olhos de botão, cada vez que você acordava e dizia bom-dia ao mundo. Aquele mundo apenas seu, no recanto do seu quarto. E não havia quem não se deixasse encantar pela vivacidade daquele par de botões azulados.
Seu cabelo, fininho igual garoa; ora caramelo, ora dourado como raios de sol. Tão ralinho nos primeiros meses que parecia ausente. Mas estava lá, marcando presença, conforme se passavam os dias.
O sorriso meigo, para meu bel-prazer, igual ao do pai. Nem mais, nem menos. As expressões faciais, os gestos corporais, enfim, quase tudo remetendo ao homem maravilhoso que quando criança deve ter sido uma introdução a você.
Os dentinhos chegaram cedo deixando-o ainda mais encantador. Por dias carreguei as marcas destes danadinhos carimbadas na pele.
Depois de conquistar os primeiros passos, vieram as descobertas mais incríveis. Que existem esconderijos interessantes na cozinha ou no banheiro, que nós adultos, chamamos simplesmente de armários. Era abrir as portas para encontrar um novo mundo de formas e cores. Foi aí que os dias tranquilos disseram adeus, principalmente para nós, a turma do "não pode, Gustavo!".
Mas isso não foi problema. Difícil mesmo era segurar a risada quando você “roubava” o saleiro e saía correndo para se esconder atrás da poltrona amarela. Tão pequeno, não podia ser visto, embora fosse traído pela respiração ofegante. E quando descoberto (era isso que você queria!) fazia festa, corria com aquele objeto precioso escapando das mãos.
Não há como pensar neste pequenino sem deixar escapar um suspiro antecipado de saudade.
É, filho, você está crescendo...!

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Cicatrizes

Tenho algumas cicatrizes. A principal vai de cima a baixo do tórax, mas quase não se nota olhando de relance. É linda, sempre achei. Hoje a considero ainda mais linda porque não me deixa esquecer de que estou viva por milagre.
Quando pequena, gostava de passar o dedo e sentir a diferença na textura da pele. Está certo, não é lá muito lisinha, mas cada um dos pontos foi fechado por mãos habilidosas há trinta e (quase) um ano atrás. É o arremate de um minucioso trabalho feito por artesãos-médicos. Minha mãe comenta que naquela época não havia exames de imagem sofisticados quais os que dispomos hoje. Era tudo na raça, ou melhor, na “chapa”. Há trinta e poucos anos, a radiografia era a única tecnologia disponível para diagnóstico de cardiopatias. Não é milagre estar viva?
Volta e meia penso naqueles que fecharam o “buraco” do meu coração. Foi há alguns tantos anos... Certamente, corrigiram centenas de coraçõezinhos após ajustarem este que bate em mim. Desconheço o nome dos membros daquela equipe de cirurgiões, liderada pelo Dr. Adib Jatene. Quanto menos sou capaz de me lembrar da fisionomia deles. Entretanto, são alguns dos heróis humanos que marcaram minha infância, no lugar do Homem-Aranha ou Mulher-Maravilha. Sob influência destes ilustres desconhecidos, houve um tempo em minha vida que considerei a medicina como opção... Por isso, se não for muito tarde, meu muito obrigada a estes cirurgiões-doutores.
Além desta, tenho outra cicatriz, só que no punho esquerdo. Provavelmente, fruto de algum cateterismo que acompanha a cicatriz-mãe. Por coincidência fizeram-na em forma de cruz. Carrego uma pequena cruz comigo, que analogamente àquela Cruz, está vazia. Não tenho como escapar à comparação, desculpe-me. É mais forte do que eu. Simplesmente deixaram este “símbolo” em mim!
Meu filho também tem algumas cicatrizes (uma abaixo da escápula e outra no tórax, parecida com a minha). Passados trinta anos, as mãos habilidosas dos artesãos-médicos foram beneficiadas com o surgimento de novas técnicas e materiais cirúrgicos de última geração. Logo, a marca deixada no peito do meu pequeno, é mínima. Muito menor do que a minha, ancestral. Esta marca é mais um dos vínculos que nos une. Mas, diferente da minha cicatriz, a dele doeu. Em mim, pois não desejava vê-la em outro peito se não no meu.
Embora nos recorde os dias de sofrimento, uma cicatriz pode (e deve) ser vista com alegria. Depende dos olhos da gente. O simples fato de mostrá-la ao mundo é uma bela vitória. Por si só, não nos diferencia das pessoas, apesar de ser um diferencial. Só que traz um novo significado para o que pensamos ser a vida. Sobre minha primeira infância, dizem que eu abordava as pessoas mostrando-lhes minha cicatriz. À minha maneira entendia o significado especial que esta marca em meu peito representava para aqueles que me queriam bem.
Gosto de contar a história desta cicatriz, porque afinal, ela se tornou a minha história. Existem cicatrizes na história do meu pequenino, tanto quanto na de centenas de portadores de cardiopatias congênitas, espalhados por este Brasil. Dia desses serão eles que contarão histórias pra gente.
Quero que meu filho encare suas cicatrizes com naturalidade, como se tivessem vindo junto com ele. Comigo ainda é assim. Conforme a gente vai crescendo, aprende a não se esconder atrás delas, seja por vergonha ou autopiedade. O que não é diferente das cicatrizes da alma.
Importante é que, por trás destas marcas físicas, exista um coração grato.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Hoje, já é 2009.

Jamais poderei dizer que não conheci o sorriso de Deus. Eu o vi hoje de manhã, quando você sorriu pra mim, filho. Seu rostinho corado me fez lembrar de que nem sempre foi assim. Há um ano, a alegria existia, mas estávamos machucados. Incompletos. Sabíamos que Deus olhava para nós, contudo, queríamos mais. Queríamos que os dias voassem e com eles, a sua doença. Foi difícil passar o dia 31 de dezembro de 2007. Quanto mais, curtir aquele primeiro dia de 2008. Naquelas circunstâncias, uma intoxicação medicamentosa abalou sua saúde, já bastante frágil, mas não apagou seu sorriso. Embora as lembranças ainda sejam fortes, estes dias se passaram. Um ano depois, você está aqui, brincando. De repente, viro-me para trás e o surpreendo embaixo da mesa, crente de que vai conseguir pegar a chupeta azul sobre o tampo de vidro. Sapeca, como só você sabe ser. Onde ficou aquele bebê vulnerável, de grandes olhos azuis? Cadê o fantasma do medo? Aquele bebezinho ainda existe nas fotos que documentam a vitória conquistada em tão pouco tempo de vida. O fantasma do medo foi sepultado num lugar onde só Deus conhece o endereço. Sabe, filho, ninguém está isento de passar por crises e adversidades. Você sabe disso melhor do que muita gente grande. Contudo, sua história prova que Deus não nos abandona em nossos desertos. Basta querer que Ele fique em nossa vida. Tem dias, que passando pelo deserto, a gente quer ficar sozinho pra chorar. Nestes dias, Ele providencia uma sombra. Em todos aqueles meses, Ele nos preparou várias sombras. E, depois que este deserto ficou para trás, tem revelado pouco a pouco (ao pé do ouvido), os detalhes do Seu cuidado. Essas descobertas são surpreendentes. Levam-nos a entender como sobrevivemos aos ataques da ansiedade. Foi por causa da fidelidade de Deus, expressa também no seu olhar feliz de criança. Ademais, não tenho muito que acrescentar a este texto, se não: “Obrigada, Pai. Por tudo. Em especial porque, mesmo quando cedi à tentação de duvidar, Você sorriu para mim.”