sábado, 28 de fevereiro de 2009

Um caderno.


Quando criança, tive um caderninho cor - de - rosa pálido. Tão cedo o ganhei, transformei em meu diário. Na mesma época me percebi enamorada por escrever e arrisquei meus primeiros versos nas folhas cor-de-rosas decoradas por corações.
Não havia em mim outra pretensão se não traduzir meus impulsos e aspirações para a Língua Portuguesa. Os temas que me inspiravam eram rústicos, em nada sofisticados. E existe brincadeira melhor do que poetizar a vida segundo os matizes que delineiam este universo infantil? Não que me tenha sido ensinada...
Por um tempo este caderninho andou sumido, provavelmente no meio da minha bagunça. Depois reapareceu tímido em uma das gavetas, aliviado por ter sido reencontrado. Também fui eu que me reencontrei.
Nada como o tempo para temperar as lembranças! No olhar pouco mais maduro salta a inocência dos primeiros anos, e deste mesmo olhar, algumas lágrimas. Não sinto falta dos anos passados. Celebro os anos recuperados daquele conjunto de páginas. A caligrafia arredondada e ornada à mão- nada quadrado e perfeito, pelo contrário, repleta de sinuosidades exageradas e deliciosamente assimétricas- acusa a autoria dos dedinhos curtos de uma criança. Ah, vigorosos anos da infância que nos alcançam seja qual for a distância percorrida pela vida... É só querer e a criança acorda bocejando com seu hálito fresco dentro da gente.
Curiosa a relação que traçamos com o tempo. A gente consome o passado, idealiza o futuro e vive o presente como se fosse uma página entre esses dois capítulos. O passado nos convida à lembrança, enquanto o futuro nos promove esperança. Mas é no presente que se constrói tanto um quanto o outro.
Percebo isso, também agora, enquanto descrevo as emoções instantâneas provocadas por este grito da infância. É certo que daqui a dez ou vinte anos, o que me provocará lágrimas de saudade serão meus atuais trinta anos de descobertas.
Melhor viver todos os dias com a criatividade de quem conta uma história, a empolgação de quem lê um bom livro e o cuidado de quem prepara uma ceia.
E o tal do caderno resultou nisso aqui...