quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Metamorfoses



              Hoje, quando o menino acordou, pulou na nossa cama, sentou-se no colo do pai e, olhando para sua própria imagem refletida no espelho, indagou: 
             -Hoje eu acordei com o cabelo preto?
        Não, pequeno. Absolutamente, não foi dessa vez que suas madeixas se enegreceram; e nem seria assim, tão de repente. Leva-se um tempo para que a metamorfose aconteça, o que nem sempre implica na mudança dos fios, da tez... 
            Mas quem disse que o menino está preocupado com isso? As crianças amadurecem despreocupadamente, sem a mínima responsabilidade por esse processo. 
            Por trás desse desejo maroto, aparentemente sem maior importância, pode haver uma criança em busca de identificação com seus progenitores, uma vez que a infância lhe agraciou com os cabelos mais claros, ainda que seja por pouco tempo. 
            Pode ser que no futuro, o rapaz de cabelos castanhos escuros, que talvez ele se torne, olhe para suas fotos de infância e deseje retornar àquele tempo para reencontrar seus carrinhos, seus dinossauros, suas feições imberbes. 
             Voltemo-nos, contudo, para o hoje e o agora... Quem sabe possamos deduzir que os “cabelos negros dos pais” também representem uma expressão velada de sua admiração por eles. Se sim, seria uma linda demonstração de carinho, mesmo porque já sabemos, de antemão, que os filhos crescem, e deixam de ser uma continuidade da gente conforme vislumbram o horizonte que se desenha pela janela da casa. 
             Ademais, ao invés de fechar essa janela, receosos de que esse dia enfim chegue, quem sabe seja o caso de aproveitar a luz externa que invade a casa, para tornar mais nítidos os matizes dessa infância colorida, a qual não deve ser abreviada, nem, contudo, prolongada. Deve durar tempo suficiente para a metamorfose da pupa em borboleta.
            Enquanto o milagre ocorre, é tempo de deliciar-nos com os pensamentos incutidos nessas palavras de pura inocência. Sim, sentiremos saudade, muito embora tenham sido capítulos bem escritos, se bem vividos. 
             E se, porventura, a vida lhe der os cabelos pretos, com os quais hoje ele sonha, muito provável que até lá os nossos já estejam grisalhos. Porém, como o menino sempre nos diz: “isso não tem importância”. Afinal, as nuances dos cabelos mudam, mas o amor nunca desbota.

            

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