Não raro, questiono-me de onde teria vindo este pragmatismo maternal que
me possui sem mais, nem menos. Mas é só vasculhar nos arquivos do meu passado
recente para tecer relações entre meu atual estado de mãe com o de cientista,
que um dia aspirei a ser.
Anos de prática em laboratório me deixaram de herança o hábito de não
guardar pequenas porções de alimentos no freezer. Absolutamente! Eu os guardo
em alíquotas. E nada mais técnico do que aliquotar feijão. Se para uma simples
tarefa cotidiana sofri os efeitos da Ciência, o que dirá na tarefa de ser mãe.
Para início de conversa, eu me lembro de que ao pegar meu querido bebê no
colo, ainda com 12 horas de vida, um frio percorreu minha espinha (garanto que
não era efeito rebote da raquidiana) ao imaginar que aquela frágil criatura em
meus braços tinha menos tempo de vida do que eu costumava manter células em
cultura: quatro dias entre uma passagem e outra.
Da cultura de células herdei o excesso de zelo por aquelas unidades de vida
microscópicas que chegava a chamar de filhas no auge da minha loucura (leia-se:
em final de tese). Naquele tempo, o que conhecia sobre a maternidade era
cultivar minhas linhagens celulares em condições de temperatura, acidez e
níveis de gás carbônico, extremamente controlados. Se tudo estivesse de acordo,
suprindo-as com um bom meio de cultura, esperava bons resultados em meus
experimentos. Ainda assim, nada era muito preciso. Existiam as contaminações
ocasionais, combatidas com boas doses de antibiótico de amplo espectro e no
pior dos casos, quando não se resolvia bombasticamente o problema,
descartavam-se as células “bichadas”, e nova alíquota era descongelada para
outros tantos experimentos.
É fato que, inconscientemente,
incorporei este rigor científico e o trouxe na mala da maternidade, com a
ressalva de que tenho plena consciência de que a maternidade não é um
experimento. Ela é definitiva. E como!
Porém, em relação aos cuidados com gente,
não tenho como controlar as condições de temperatura - outono, primavera,
inverno, verão - quanto menos prever mudanças drásticas causadas pelo efeito
estufa. Portanto, dá-lhe crises alérgicas na minha criança, contra as quais não
posso fazer muita coisa! Tirar o pó da casa? Já o faço! Acabar com a poeira do
mundo? E quando acontecem as terríveis contaminações? Digo infecções. Não posso
entupi-lo com o mais potente antibiótico, quanto menos descartá-lo e começar de
novo.
As variáveis são agora
imprevisíveis e os desfechos de cada episódio também. Já tentei tomar as rédeas
da situação, mas, naturalmente, não consigo. E nem quero. Sinto dizer que a
Ciência me preparou para tudo, menos para este novo imprevisível. Embora eu
imaginasse saber dominá-lo enquanto trabalhava diante de um fluxo laminar.
Apesar disso, não troco a
experiência desta maternidade pela primeira, ainda que tenha saudade das filhas
microscópicas, com quem treinei ser responsável por vidas que dependam da
minha. Aquelas criaturas que gerei de uma alíquota descongelada do nitrogênio
líquido me renderam, no máximo, bons resultados. A criatura que gerei há quase
cinco anos, mergulhado por nove meses numa estufa miraculosa, chamada útero,
olhou para mim ontem, e disse: “te amo, mamãe.”
Ah, as imprevisibilidades da
maternidade...
2 comentários:
Lindo, Pri!
Cada vez me emociono mais com suas palavras... Você consegue ir no fundo da alma da gente! Parabéns!
Pri,
Como as palavras fluem com doçura de sua alma! Amo ler seus escritos! (mamãe)
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