sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

As imprevisibilidades da maternidade


            
Não raro, questiono-me de onde teria vindo este pragmatismo maternal que me possui sem mais, nem menos. Mas é só vasculhar nos arquivos do meu passado recente para tecer relações entre meu atual estado de mãe com o de cientista, que um dia aspirei a ser.
Anos de prática em laboratório me deixaram de herança o hábito de não guardar pequenas porções de alimentos no freezer. Absolutamente! Eu os guardo em alíquotas. E nada mais técnico do que aliquotar feijão. Se para uma simples tarefa cotidiana sofri os efeitos da Ciência, o que dirá na tarefa de ser mãe.
Para início de conversa, eu me lembro de que ao pegar meu querido bebê no colo, ainda com 12 horas de vida, um frio percorreu minha espinha (garanto que não era efeito rebote da raquidiana) ao imaginar que aquela frágil criatura em meus braços tinha menos tempo de vida do que eu costumava manter células em cultura: quatro dias entre uma passagem e outra.
            Da cultura de células herdei o excesso de zelo por aquelas unidades de vida microscópicas que chegava a chamar de filhas no auge da minha loucura (leia-se: em final de tese). Naquele tempo, o que conhecia sobre a maternidade era cultivar minhas linhagens celulares em condições de temperatura, acidez e níveis de gás carbônico, extremamente controlados. Se tudo estivesse de acordo, suprindo-as com um bom meio de cultura, esperava bons resultados em meus experimentos. Ainda assim, nada era muito preciso. Existiam as contaminações ocasionais, combatidas com boas doses de antibiótico de amplo espectro e no pior dos casos, quando não se resolvia bombasticamente o problema, descartavam-se as células “bichadas”, e nova alíquota era descongelada para outros tantos experimentos.
         É fato que, inconscientemente, incorporei este rigor científico e o trouxe na mala da maternidade, com a ressalva de que tenho plena consciência de que a maternidade não é um experimento. Ela é definitiva. E como!
     Porém, em relação aos cuidados com gente, não tenho como controlar as condições de temperatura - outono, primavera, inverno, verão - quanto menos prever mudanças drásticas causadas pelo efeito estufa. Portanto, dá-lhe crises alérgicas na minha criança, contra as quais não posso fazer muita coisa! Tirar o pó da casa? Já o faço! Acabar com a poeira do mundo? E quando acontecem as terríveis contaminações? Digo infecções. Não posso entupi-lo com o mais potente antibiótico, quanto menos descartá-lo e começar de novo.
            As variáveis são agora imprevisíveis e os desfechos de cada episódio também. Já tentei tomar as rédeas da situação, mas, naturalmente, não consigo. E nem quero. Sinto dizer que a Ciência me preparou para tudo, menos para este novo imprevisível. Embora eu imaginasse saber dominá-lo enquanto trabalhava diante de um fluxo laminar.
            Apesar disso, não troco a experiência desta maternidade pela primeira, ainda que tenha saudade das filhas microscópicas, com quem treinei ser responsável por vidas que dependam da minha. Aquelas criaturas que gerei de uma alíquota descongelada do nitrogênio líquido me renderam, no máximo, bons resultados. A criatura que gerei há quase cinco anos, mergulhado por nove meses numa estufa miraculosa, chamada útero, olhou para mim ontem, e disse: “te amo, mamãe.”

            Ah, as imprevisibilidades da maternidade...

2 comentários:

Anônimo disse...

Lindo, Pri!
Cada vez me emociono mais com suas palavras... Você consegue ir no fundo da alma da gente! Parabéns!

Anônimo disse...

Pri,
Como as palavras fluem com doçura de sua alma! Amo ler seus escritos! (mamãe)