quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Sobre essa que vos escreve

Se até o final da vida eu não publicar um livro, darei-me por contente se bordar uma colcha de retalhos.  Escritores e artesãos tem muito em comum, uma vez que dedicam seus dias e noites à tênue tarefa de alinhavar cada qual a sua matéria prima. No caso do escritor, faz o casamento das palavras com o papel, ainda que em uma tela de computador. Já o artesão faz a emenda dos retalhos e reconstrói a vida do próprio tecido.
Por isso que me contentaria e muito, ficar somente na colcha de retalhos, pois, afinal, que são estórias se não um apanhado de fragmentos que sobram da confecção de extensas vivências? E aparas não merecem desprezo só porque não participaram da peça de roupa. Que esperem silenciosas por seus pares quando, enfim, contínuas, terão voz para narrar o enredo por detrás de suas estampas.
    Ninguém escreve ou borda sem a catálise do suor e das idéias. Imagino os dedos picotados do artesão, e deles fluindo gotículas mornas de sangue. E os dedos do escritor, recortados por palavras afiadas que fluem esporádicas como gotículas de sangue. No fim das contas, ambos concordariam, o retalho é que dará corpo ao efeito uníssono de suas obras.


Nenhum comentário: