sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Leiam-me:

São palavras que me alimentam, e não dígitos. E, via de regra, são os dígitos as principais ferramentas em um laboratório de pesquisa em biologia. Neste feudo da sapiência perdura a ditadura do empirilismo, que se contrói com tijolos maciços de números. Assim, têm-se uma cadeia infinita de dados logicamente perfeitos (ou ao menos se tenta). Pergunto: onde está a coerência nisso tudo? Afinal a vida in natura prova por si mesma ser cheia de imprecisões e variações misteriosas que burlam a exatidão experimental! É como se nos dissesse: não me limite a uma placa de cultura; não tente me controlar. “Eu não permitirei!”, protesta.
Faço ciência no âmbito da biologia, sim. Contudo, sou cientista em termos. Encontro-me cientista, agora, nos próximos meses. Mas quem serei para sempre? Amante das letras; leitora irrecuperável; aspirante à poeta; subjetiva demais para os textos científicos. Este último me disseram.
Enquanto inquilina neste universo idealizado dos serviçais do conhecimento, sinto um vazio do tamanho da minha frustração. A frustração de terminar um dia de labuta e voltar para casa sem o resultado pretendido. Com quanta hostilidade me retribui a bendita metodologia científica!
Cabe aqui uma reflexão relâmpago: o estudo científico avançou muito desde os idos de Pasteur. Sim, sem dúvida alguma. Mas, sinto-lhes informar que quanto mais perto, mais longe. A ciência é insaciável. Por Pasteur e por outros, admiro os cientistas de carteirinha que já nasceram investigando o porquê da existência do umbigo.
Escrevi este texto como um registro deste dia, que se tornou especial simplesmente porque voltei a ler meu livro de cabeceira. Assim o é porque nunca termino o primeiro volume de “Os Miseráveis”. Atesto aos leitores que tudo muda dentro em mim quando retorno ao meu mundo fraseado. Assim como um tísico se agarra ao oxigênio para fazer viver seus pulmões trôpegos, também eu me agarro à leitura para respirar ares mais ecléticos. A ciência concede ao homem um belo espetáculo. Confesso que não me incomodaria em ser uma mera expectadora.

7 comentários:

Antonio Radi disse...

Priscila:
O título deste vosso artigo pareceu-me um apelo; então, sem pestanejar, antendi-o!
Ciência e Poesia são incompatíveis? Penso que não... ambas, para existirem, demandam racionalidade e talvez esteja aí o mais profundo ponto de convergência entre elas.
A Ciência é insaciável? E o que dizer então das paixões humanas?
Sim, a Ciência tem esta mania de exatidão, de supremacia, de controle... um tanto arrogante, você não acha?
Arrogante e também vã em certa medida... afinal, jamais controlaremos a Natureza...
Tá tarde e vou encerrar por aqui com uma frase de um colega seu, ok?
Um ótimo final de semana!!

"Todas as religiões, praticamente todas as filosofias e até uma parte da ciência testemunham o esforço heróico e infatigável da humanidade para desesperadamente negar sua contingência"
Jacques Monod

Priscila disse...

Olá, "Novos Maias"!Li em seu perfil que é engenheiro agrônomo. Mesma profissão do meu pai. Na infância, ele me ensinou a respeitar a terra. Tenho muita afeição por agroecologia, área em que ainda atua.
Eu, por outro lado, optei pela biologia, na área médica.
No meu caso, ciência e poesia não conseguem andar juntas por muito tempo...A ciência sempre quer mais de mim. É uma relação um tanto quanto egoísta.
Ainda não consigo conciliá-las em termos de pensamento.Quando me dedico muito a ciência, falta-me tempo para leituras. Leitura é meu combustível. Não exagero nesta afirmação...
Há dias em que a ciência consome minhas sinapses todas...
Não adianta, colega. Vivo um momento de revolta com a ciência. Quem sabe, não resultará em novos textos e poesias?

Antonio Radi disse...

Priscila:

Desejo que, bastante breve em vosso âmago, possam dar-se as mãos Ciência & Poesia. Como incentivo (será?) reproduzo, abaixo, versos de alguém que - de forma magistral - harmonizou a convivência destas duas "Senhoras":

(...)
"E afogo mentalmente os olhos fundos
Na amorfia da cítula inicial,
De onde, por epigênese geral,
Todos os organismos são oriundos.

Presto, irrupto, através ovóide e hialino
Vidro, aparece, amorfo e lúrido, ante
Minha massa encefálica minguante
Todo o gênero humano intra-uterino!
(...)
É a flor dos genealógicos abismos
— Zooplasma pequeníssimo e plebeu,
De onde o desprotegido homem nasceu
Para a fatalidade dos tropismos. —

Depois, é o céu abscôndito do Nada.
É este ato extraordinário de morrer
Que há de, na última hebdômada, atender
Ao pedido da célula cansada!"

Estrofes retiradas do poema "Mistérios de um Fósforo" de Augusto dos Anjos

Mari disse...

Pri... a ciência parece não apenas está te querendo demais! está te tendo.

Que saudades, que falta você faz!

Em tempo: Espero que você consiga lidar com as duas coisas: Suas poesias são lindas e teu trabalho necessário.

Beijinhos

Priscila disse...

Caríssimo "Novos Maias"(chamo-lhe assim ou prefere por seu nome, que desconfio ser Antônio): lindo poema que escolheu para ornamentar seu comentário! Muito obrigada.
Decerto, nos últimos dias a poesia tem ressurgido em minha rotina.Bom sinal!
abraço

Priscila disse...

Mari, querida! Que visita maravilhosa ao meu blog! Saudade de vc minha amiga.
Pode deixar que, seguindo seu exemplo, não vou deixar de lutar por aquilo que acredito e pelas boas causas que realmente merecem nosso esforço.
beijos para vc e Aninha!

Antonio Radi disse...

Pode ser Antonio... sem o circunflexo, tá?