...É o tempo exato que nos separa daquela manhã de segunda-feira, no
Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Pela terceira vez em menos de
um ano, estávamos entregando nosso bebê nas mãos da equipe de cirurgiões
cardiopediatras daquele hospital. Gustavo nasceu premiado com uma aorta que
precisava ser “aberta” e um septo cardíaco que precisava ser “fechado”.
Entendíamos que Deus estava conosco,
embora, nem sempre Sua voz fosse claramente discernida, tamanho o turbilhão de
emoções que vivíamos. Ainda assim, jamais Ele permitiu que O perdêssemos de
nossas vistas.
Neste ínterim, não foram poucas as
situações que fugiram do nosso controle: pós-cirúrgicos marcados por
incertezas; intercorrências neurológicas... Em contrapartida, conheci o Deus
que se revela nas madrugadas escuras e sombrias; que não se incomoda em
“pernoitar” num quarto de enfermaria. Ali mesmo, reconheci o Deus da minha
infância. “O Deus dos antigos, dos nossos antepassados”.
Passados quatro anos desde esta
última internação, permanece o legado construído sobre uma das experiências
mais tensas e dolorosas que vivemos. Não penso que, a soberania de Deus seja
provada pela cura do nosso filho, ainda que muito tenhamos nos alegrado quando
essas palavras foram anunciadas pelo Dr José Pedro da Silva. Tampouco, que a
fidelidade de Deus seja provada pelos exames clínicos que atestam as cirurgias
bem sucedidas. Também isso, mas não apenas isso!
A soberania e fidelidade de Deus são
provadas porquanto Ele nos permitiu entrar num grande vale, dentro do qual nos
conduziu a momentos reais de paz e esperança. Na ausência de boas notícias e
diagnósticos promissores, Ele providenciou alento para nossa alma. “Quando
passar pelo vale da sombra e da morte, não temerei mal algum, porque Tu estás
comigo”. Sim, aprendemos sobre morte e vida, passando pelo vale, onde não existe
outra luz senão Daquele que é poderoso para conduzir nossos pensamentos para a
segurança da Sua presença.
Costumo brincar que, de mim, o
Gustavo herdou os olhos e o coração (no demais, é cópia do pai). Ambos nascemos
com olhos expressivos e com um “buraquinho” entre os dois ventrículos cardíacos.
Porém, nem todos os buraquinhos no coração da gente são herdados de nascimento.
A maioria deles surge no decorrer da vida; às vezes resultam de uma perda muito
dolorida, outras, de uma frustração por demais profunda.
O “buraquinho” no coração do Gustavo
alcançava 10 mm, antes de ser fechado pelas hábeis mãos dos médicos. Talvez o
“buraquinho” que você carregue em seu coração alcance dimensões irreparáveis
por uma ou duas cirurgias. No decorrer desses quatro anos, reconheço a mão de
Deus fechando alguns desses “buraquinhos” que foram esculpidos em meu coração
pelas situações incertas da vida.
Quatro anos é a quantidade de tempo
que nos separa de um acontecimento que marcou nossa história como família.
Contudo, Deus só precisa de um segundo de nosso tempo para implantar uma nova
esperança dentro do nosso coração: “Eis que faço uma coisa nova, agora sairá à
luz; porventura não a percebeis? Eis que porei um caminho no deserto, e rios no
ermo.” Amém.